No começo:
O Diabo chega no céu e vê apenas um jardineiro, aguando as plantas.
-Eu procuro por Deus. – perguntou ao jardineiro, com a impaciência de um superior
-Ele está diante de você.
-Tu e tuas manias de te emporcalhar de barro. – disse o Diabo, limpando na roupa a mão que tinha usado para cutucar o jardineiro
-O que queres de mim?
-Vim-lhe avisar que o teu monopólio do sacramento terás um fim. Não
tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa
do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas
palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha
desorganização, do meu reinado. É tempo de
obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com
lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não
vos parece?
-Vieste dizê-la, não legitimá-la – advertiu o Senhor
-Mera burocracia interpretativa. Irei a Terra e lá, plantarei a minha pedra fundamental.
-Vai. Mas, primeiro, Me responda, só agora pensaste em fundar uma igreja?
O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia
cruel no espírito, algum reparo picante no alforje de memória. Mas recolheu o sorriso e disse:
- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, de que as virtudes, filhas do Céu, podem ser atraídas e alteradas. E eu irei trazê-las para minha igreja.
-Velho retórico – murmurou Deus
- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de mesma curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado.
- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua
espécie. Tudo o que dizes ou digas está dito e
redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens
força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é
que te cales e te retires. Vai, funda a tua igreja;
chama todas as virtudes, convoca todos os
homens... Mas, vai!
E o Diabo se foi.
No fim:
O Diabo saiu da sala, com uma expressão de fúria desentendida e foi até o Céu.
- O que Tu fizeste? Por que os homens ainda demonstram virtudes?
-Eu nada fiz.
-Além de trapaceiro é mentiroso. Tu que devias estar no Inferno.
-Que queres tu, meu pobre Diabo? Que queres tu de mim? É a eterna contradição humana que nem eu e nem tu podemos controlar.
sábado, 28 de agosto de 2010
Falas de Deus
Postado por Sr.C às 15:40 0 comentários
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